Terror na Solidão: Como SOMA Aborda o Horror Existencial


O terror é um gênero que se manifesta de diferentes formas, mas poucas abordagens são tão impactantes quanto o horror existencial. SOMA, o aclamado jogo da Frictional Games, mergulha fundo nesse tema, oferecendo uma experiência que desafia as noções de identidade, consciência e realidade. Neste artigo, exploraremos como o jogo utiliza a solidão e o horror psicológico para criar uma narrativa imersiva e perturbadora, diferenciando-se do terror tradicional. Lançado em 2015 pela mesma desenvolvedora de Amnesia: The Dark Descent, SOMA é um jogo de terror em primeira pessoa que mistura ficção científica com elementos filosóficos. Ambientado em uma estação submarina chamada PATHOS-II, o jogador assume o papel de Simon Jarrett, que desperta em um mundo pós-apocalíptico, onde humanos, máquinas e realidades se entrelaçam de maneiras angustiantes.

Importância do Tema
O que torna SOMA tão especial é sua habilidade de ir além dos sustos convencionais. Ele apresenta um terror mais reflexivo, abordando questões profundas que perturbam não só no momento do jogo, mas também na mente do jogador muito tempo depois. Através do horror existencial, SOMA questiona o que significa ser humano, convidando-nos a confrontar nossos próprios medos mais íntimos: a solidão, a mortalidade e a perda de identidade.

O Que é Horror Existencial?

Definição
O horror existencial é uma vertente do terror que não se limita a sustos ou ameaças físicas, mas sim aos medos mais profundos e filosóficos da humanidade. Ele explora questões como a insignificância da vida, a finitude da existência e a perda da identidade ou realidade. Em vez de se apoiar em monstros ou inimigos visíveis, o horror existencial aterroriza ao confrontar o jogador com verdades desconfortáveis e ideias que desafiam sua visão de si mesmo e do mundo ao seu redor.

Exemplos na Cultura Pop
O conceito de horror existencial é amplamente explorado em obras de ficção científica e literatura gótica. Filmes como Blade Runner e 2001: Uma Odisseia no Espaço questionam o que significa ser humano e até onde vai a validade da consciência. Na literatura, autores como H.P. Lovecraft introduziram o medo do desconhecido e da insignificância humana diante de forças cósmicas incompreensíveis. Já nos videogames, jogos como Silent Hill e System Shock também exploram esse tipo de angústia ao desafiar a sanidade do jogador.

Por que ele é tão perturbador?
O horror existencial é mais perturbador do que os terrores tradicionais porque ele atinge medos primordiais e universais. Enquanto um monstro ou susto momentâneo pode ser esquecido, o terror existencial força o indivíduo a confrontar perguntas que o seguem para fora do jogo ou filme. Perguntas como: “Quem sou eu, de fato?”, “O que define a consciência?” e “Será que minha realidade é verdadeira?” são capazes de provocar uma angústia profunda, afetando o jogador ou espectador de maneira emocional e psicológica.

 Contexto de SOMA

Desenvolvedora e Lançamento
SOMA foi desenvolvido pela Frictional Games, um estúdio sueco conhecido por sua expertise em jogos de terror psicológico. Antes de SOMA, a desenvolvedora havia conquistado reconhecimento com Amnesia: The Dark Descent (2010), um título que redefiniu o gênero de terror em primeira pessoa ao priorizar o medo psicológico e o uso criativo da imersão. Lançado em 2015, SOMA representou uma evolução significativa para o estúdio, abandonando parcialmente o foco em sustos tradicionais (jump scares) para explorar temas mais profundos e filosóficos.

Ambientação
A narrativa de SOMA se desenrola na PATHOS-II, uma estação de pesquisa submarina abandonada e decadente, situada nas profundezas do oceano Atlântico. A localização é mais do que um cenário: ela funciona como uma metáfora visual, simbolizando isolamento, escuridão e a opressão da solidão. Cada corredor úmido, cada sala em ruínas e cada som distante da água pressionando as paredes reforçam o sentimento de vazio e desamparo que permeia o jogo. Essa ambientação claustrofóbica, aliada ao design sonoro meticuloso, cria uma experiência imersiva onde o jogador é constantemente lembrado de sua fragilidade e isolamento.

Premissa da História
O protagonista, Simon Jarrett, acorda em PATHOS-II após um experimento médico aparentemente inofensivo. Desorientado, ele descobre que a humanidade foi praticamente extinta devido a um evento catastrófico, e que a estação é habitada por máquinas com consciência humana e fragmentos de uma civilização que desapareceu. Ao longo de sua jornada, Simon busca respostas sobre o que aconteceu, enquanto se depara com questionamentos perturbadores sobre sua própria identidade, a natureza da consciência e o que significa “estar vivo”.

Inspirações e Influências
SOMA é profundamente inspirado por obras clássicas de ficção científica e terror existencial. A influência de H.P. Lovecraft é perceptível na maneira como o jogo apresenta o desconhecido, a perda de controle e o confronto com verdades além da compreensão humana. Já no cinema, paralelos podem ser traçados com Blade Runner e Ghost in the Shell, que abordam a fronteira entre homem e máquina. No universo dos videogames, títulos como System Shock e BioShock pavimentaram o caminho para narrativas que combinam exploração filosófica e imersão atmosférica.

 A Solidão como Elemento de Terror

O Isolamento da PATHOS-II
Uma das características mais marcantes de SOMA é a sensação de isolamento que permeia toda a experiência. A estação PATHOS-II, situada nas profundezas do oceano, é um cenário desolado, repleto de salas abandonadas, corredores sombrios e ambientes degradados. Esse isolamento físico se reflete diretamente no estado emocional do jogador, criando uma atmosfera onde o medo vem da ausência de outros seres humanos. À medida que Simon explora a estação, fica claro que ele está sozinho — não há interação com outros sobreviventes, e qualquer vestígio de vida humana parece ter sido apagado. Essa solidão não é apenas literal, mas também existencial, pois o jogador é levado a questionar sua própria presença e o significado de sua existência nesse cenário desolado.

A Solidão Filosófica
Em SOMA, a solidão é tratada de forma filosófica, não se limitando à ausência de companhia, mas explorando o impacto psicológico de estar isolado do resto da humanidade. À medida que Simon interage com as máquinas e tentativas de comunicação, ele começa a questionar o que significa estar realmente vivo. A ausência de outros seres humanos faz com que ele enfrente uma realidade distorcida, onde a fronteira entre vida e morte, realidade e simulação torna-se cada vez mais tênue. O horror reside não apenas no cenário vazio, mas no fato de que Simon não pode confiar completamente nem em sua própria percepção da realidade. A solidão em SOMA é uma reflexão sobre a fragilidade humana, a necessidade de conexão e o medo existencial que surge quando estamos confrontados com a possibilidade de sermos irrelevantes ou insignificantes no grande esquema das coisas.

O Papel da Imersão
A imersão em SOMA é um fator chave para amplificar a sensação de solidão. O jogo utiliza uma combinação de design de som, ausência de música constante e ambientes desolados para manter o jogador em um estado constante de alerta e desconforto. O som das máquinas quebrando, o eco distante de passos e o silêncio profundo da estação criam um cenário auditivo que faz o jogador se sentir ainda mais sozinho e vulnerável. O design visual, com sua arquitetura claustrofóbica e iluminação mínima, também contribui para essa sensação de estar perdido em um lugar onde não há esperança de encontrar uma saída ou solução. Cada interação com o ambiente ou com os poucos seres encontrados revela mais sobre a solidão de Simon e a fragilidade de sua sanidade diante de uma realidade perturbadora.

 O Horror Existencial em SOMA

A Natureza da Consciência
Um dos pilares de SOMA é a exploração da consciência e da identidade humana. A trama desafia o jogador a refletir sobre o que define uma pessoa: é o corpo? A mente? Ou é a continuidade da memória? Durante o jogo, Simon descobre que as máquinas da estação PATHOS-II não apenas sobreviveram ao cataclismo, mas também possuem conhecimento e consciência humanas — ou pelo menos, a simulação delas. Essa revelação levanta uma questão angustiante: se uma máquina pode replicar a consciência de um ser humano, o que nos torna realmente humanos? O terror existencial em SOMA surge da incerteza sobre a natureza da identidade e da realidade. Quando as distinções entre humanos e máquinas se tornam borradas, o jogador é forçado a confrontar sua própria ideia de ser, o que cria uma sensação de desconforto profundo e questionamento.

Identidade e Substituição
Uma das mecânicas mais perturbadoras de SOMA é a substituição de identidade. Simon é confrontado com a ideia de que sua consciência pode ser transferida para diferentes corpos ou máquinas, fazendo com que ele questione se continua a ser ele mesmo ou se é apenas uma cópia. Esse conceito de identidade fragmentada é explorado de forma tão vívida que o jogador sente a tensão entre o medo de perder sua humanidade e o horror de se tornar outra coisa, algo diferente e talvez inferior. Os encontros com personagens como Carl, que acredita ser humano, mas na verdade é uma cópia, aumentam o desconforto psicológico ao forçar o jogador a questionar se a própria experiência subjetiva de Simon é válida. Se ele não pode confiar em sua identidade, então o que ele é, afinal?

A Questão da Mortalidade
A morte — e mais especificamente, o medo da morte — é um tema central em SOMA. Quando Simon encontra os vestígios de outras consciências humanas que foram transferidas para máquinas, ele é confrontado com a ideia de imortalidade. No entanto, essa imortalidade não é uma bênção, mas uma maldição: as consciências vivem em corpos artificiais, mas são privadas de suas experiências e emoções humanas, tornando-se entidades sem propósito, condenadas a existir em um estado de agonia e perda. Esse paradoxo de busca pela sobrevivência e pela preservação da identidade, enquanto se perde o sentido da existência, é um dos aspectos mais aterradores do jogo. O medo da morte se transforma em uma busca por um propósito que, ao final, revela-se fútil, uma metáfora para a própria fragilidade da vida humana.

Momentos-Chave
Existem momentos no jogo que exemplificam brilhantemente esse terror existencial, como quando Simon encontra um corpo que tenta desesperadamente manter sua consciência intacta, enquanto é forçado a transferir sua mente para uma máquina. Esse tipo de cena faz com que o jogador experimente um desconforto psicológico profundo, pois o jogo desafia a ideia de que a vida humana é finita e que a morte é o fim. Quando a morte se torna apenas um transporte para uma nova forma de existência, o jogador começa a questionar qual é o verdadeiro significado da vida, criando uma experiência de horror muito além dos elementos convencionais do gênero.

 Comparação com Outros Jogos de Terror

Distinção de SOMA em Relação a Outros Jogos de Terror
Quando se fala em jogos de terror, muitos títulos se destacam pela utilização de sustos repentinos e ambientes assustadores. SOMA, no entanto, adota uma abordagem única ao priorizar o horror psicológico e existencial sobre os sustos convencionais. Enquanto jogos como Amnesia: The Dark Descent e Outlast exploram o medo por meio de criaturas monstruosas e eventos sobrenaturais, SOMA mergulha em questões filosóficas profundas sobre identidade, conhecimento e a natureza da consciência. O horror não vem de monstros visíveis, mas do desconforto que surge ao questionarmos a nossa própria humanidade e a autenticidade da realidade em que vivemos.

Paralelos com Silent Hill e System Shock
Terror psicológico não é algo novo no mundo dos jogos, e algumas influências para SOMA podem ser identificadas em jogos como Silent Hill e System Shock. Ambos os títulos exploram o desconhecido, a perda de controle e a desintegração da sanidade de formas que desafiam a percepção do jogador. No entanto, onde Silent Hill foca no terror relacionado à culpa e ao passado, SOMA leva o jogador a refletir sobre as consequências da tecnologia e da imortalidade. Enquanto System Shock lida com a desconexão entre homem e máquina, SOMA vai além, explorando como a conscientização das máquinas e a transferência de identidade podem afetar a natureza da realidade humana.

A Distinção de Abordagem Filosófica
O que diferencia SOMA de outros jogos de terror é a sua abordagem filosófica. Enquanto muitos jogos de terror buscam simplesmente causar medo e desorientação, SOMA faz uma análise existencial que envolve escolhas morais e questões sobre a vida e a morte. Jogos como The Last of Us também abordam temas pesados como a sobrevivência e a perda, mas SOMA o faz de uma maneira mais introspectiva e angustiante, onde o medo não está em monstros ou ameaças externas, mas na fragilidade da própria condição humana. Em vez de criar um ambiente hostil para o jogador, SOMA o coloca frente a frente com questões que não podem ser resolvidas por simples ação ou combate. Esse tipo de terror existencial é o que realmente define a singularidade do jogo dentro do gênero.

 Impacto e Legado de SOMA

Recepção Crítica e do Público
Desde seu lançamento em 2015, SOMA foi amplamente elogiado pela crítica especializada e pelos jogadores por sua abordagem diferenciada do gênero de terror. Sites renomados como IGN e GameSpot destacaram a narrativa madura e a capacidade do jogo de provocar reflexões profundas no jogador. Ao contrário de outros títulos focados em jump scares, SOMA foi reconhecido como um jogo que utiliza o terror para desafiar a mente e questionar a realidade, criando uma experiência envolvente e filosófica.

O público também recebeu SOMA de forma positiva, especialmente os fãs de jogos com temas mais densos e atmosféricos. Muitos jogadores compartilharam como o jogo os impactou emocionalmente, levando-os a refletir sobre identidade, consciência e a relação entre homem e máquina — temas que ressoam até hoje.

Contribuição ao Gênero de Terror
SOMA trouxe uma nova perspectiva para o terror nos videogames, consolidando o horror existencial como uma abordagem poderosa dentro do gênero. O jogo provou que o terror não precisa depender de sustos repentinos ou monstros grotescos para ser eficaz. Em vez disso, ele mostrou que o desconforto psicológico e os temas filosóficos podem ser ainda mais perturbadores e memoráveis. Essa contribuição ajudou a inspirar outros jogos a adotarem narrativas mais introspectivas e focadas no impacto emocional, elevando o nível de maturidade do gênero.

Influência em Jogos Posteriores
O sucesso de SOMA pode ser visto em títulos lançados posteriormente, que também buscaram explorar temas filosóficos e existenciais no contexto do horror. Jogos como Observer (também da Frictional Games) e Death Stranding incorporaram reflexões profundas sobre a humanidade, o isolamento e o impacto da tecnologia na identidade humana. Além disso, o legado de SOMA pode ser percebido na crescente popularidade de jogos narrativos que priorizam a imersão atmosférica e o desenvolvimento de temas complexos em detrimento de mecânicas de jogo tradicionais.

O Legado da Experiência SOMA
Mais do que um jogo, SOMA deixou um legado filosófico dentro do universo dos videogames. Ele transcende o entretenimento ao oferecer uma experiência reflexiva, que força o jogador a questionar suas próprias percepções sobre a vida, a morte e o que nos torna humanos. Esse tipo de impacto não é comum no gênero de terror, o que faz de SOMA um marco único na história dos jogos narrativos. Para muitos, a verdadeira essência do jogo está em seu poder de provocar desconforto intelectual e emocional, ecoando muito além da tela.

Conclusão

 SOMA é um exemplo marcante de como o gênero de terror pode ir além dos sustos superficiais, utilizando uma narrativa profunda e filosófica para explorar medos muito mais íntimos e existenciais. Ao longo deste artigo, analisamos como o jogo aborda temas como a solidão, a identidade, o isolamento, e a própria natureza da consciência humana. Sua narrativa envolvente, aliada a uma ambientação desoladora e mecânicas imersivas, cria um tipo de horror que impacta não apenas os sentidos, mas também a mente do jogador.
Mais do que um simples jogo de terror, SOMA se apresenta como uma experiência perturbadora e reflexiva. Ele desafia o jogador a confrontar suas próprias percepções sobre o que significa estar vivo e a lidar com o medo do desconhecido — um medo que vai além de monstros ou ambientes sombrios. O verdadeiro horror em SOMA reside na compreensão da fragilidade humana diante de questões existenciais e na inevitabilidade da morte e da irrelevância. Se você é fã de jogos que desafiam suas emoções e pensamentos, SOMA é uma experiência obrigatória. Mais do que um simples jogo, ele é uma jornada imersiva que provoca reflexões profundas e deixa marcas duradouras. Convide-se a explorar a PATHOS-II e a mergulhar em um terror existencial como nenhum outro — prestando atenção aos detalhes narrativos e visuais que tornam este título uma obra-prima do gênero.

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